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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O artigo da discórdia

O artigo da psicanalista (um dos meus ídolos) Maria Rita Kehl que teria gerado a ameaça de demissão de O Estado de São Paulo

Dois pesos

Este jornal (refere-se ao Estadão) teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas.

O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano.

Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.


Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos.

O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos.

Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias.

Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local.

A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições.

Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País.

Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.




5 comentários:

Anônimo disse...

Só um apaixonado pode acereditar que essa população de pobres que levantaram a cabeça com miseráveis e viciantes 200 reais da bolsa votaram em Dilma por absoluta politização. Claro que o cabresto do Lula e do PT, chamado BOLSA FAMÍLIA funcionou como uma máquina de voto.

Anônimo disse...

Discordo. O bolsa-família, em sua forma atual, que simplesmente dá dinheiro sem alternativas verdadeiras que permitam realmente escapar de pobreza - e não cabe afirmar que a exigência de frequencia escolar é uma forma de escape, já que a baixa qualidade da educação pública não qualifica verdeiramente alguém - serve, sim, como uma forma de controle do eleitorado. Afinal, sem alternativas para se sustentarem por conta própria, será que os beneficiados pelo programa irão se arriscar a votar em outro candidato que não aquele que concedeu o benefício? A resposta é óbvia.

O problema não é o bolsa família em si, mas a forma como ele vem sendo utilizado, que prende a parte mais pobre da população a uma dependência estatal perpétua, já que a verdadeira forma de ascenção social - a educação - é simplesmente ignorada. Não existe outra política para a área que não seja diferente de repassar mais verbas para as prefeituras. Um exemplo do descaso quanto a questão foi a forma com que os projetos do Cristovam Buarque foram tratados pelo Lula - engavetados.

Com esse panorama, não existe motivo pra comemorar o bolsa família.

Anônimo disse...

Oi Reporter,
Muito pertinente este artigo, porém apesar disto, acredito que alternancia do poder é absolutamente necessária!
Virgílio

Carlos Alberto disse...

Não oncordo com o comentário do virgilio, acho que a alternancia de poder só se faz necessário quando o o mesmo poder não atende a expectativa de uma população que sonha com dias melhores, isso aconteceu com o governo dos Tucanos representado pelo desastrado Fernado Henrique. acho que no momento não se justifica uma mudança, face que boa parte dessa população está vivendo dias melhores, não o ideal, mais sem duvidas não teem saudades do governo tucano.

luis miranda disse...

A pior maneira de morre é morrer de fome que aos poucos você vai perdendo suas forças até que a vida chegue ao fim.
A bolsa vem dá aquele que não tem nada, a oportunidade de ficar vivo, em condições de pelo menos ter uma refeição por dia.
Quem nunca passou fome não sabe a importância de ter esses 200,00 reais no final do mês, até porque os que criticam gastam muito mais numa farra com amigos no final de semana.
O que me deixa feliz e não ver mais aquelas fotos estampadas nos jornais de gente morrendo de fome no nordeste ou em qualquer outra região do Brasil.