Recomendo como leitura deste domingo, o artigo do professor Gaudêncio Torquato (*), publicado em O Estado de S. Paulo de hoje
Quanto custa a democracia?
Depende. Numa sociedade de cultura política desenvolvida o custo é diferente do de nações onde as instituições políticas e sociais ainda estão em processo de consolidação. O grau de desenvolvimento de um povo é boa régua para aferir a qualidade de um sistema democrático. Sob essa hipótese, pode-se garantir que quanto mais elevado o grau civilizatório de um povo, mais forte e menos custosa será sua democracia. Na ciência dos comportamentos políticos e sociais, porém, as questões não podem ser simplificadas. Não se pode esquecer que a nova disposição do mundo, abrigando amplas conexões e integração de interesses, passa a ser fator essencial na avaliação da ordem democrática de países centrais e periféricos. Os norte-americanos, por exemplo, quando avaliam a eficácia de sua democracia, levam em conta a influência que gera em outros espaços, conformando-se até com o fato de que ela começa a corroer o bolso. Veja-se a conta que pagam: US$ 1,15 trilhão para arcar com os custos das guerras no Afeganistão, no Iraque e em outras regiões do mundo. A fabulosa quantia só é menor que os US$ 4,1 trilhões gastos na 2.ª Guerra.
E quanto custa a democracia brasileira? Impossível fechar a planilha. É razoável apontar uma tendência a partir de dados que se conhecem: nossa democracia vem subindo de preço. Como não somos uma nação-império, que tem de arcar com as despesas de outros (excetuando-se o perdão concedido a débitos de países africanos e um ou outro nas proximidades), a conclusão é de que os buracos no tecido democrático são feitos aqui mesmo e por conta dos nossos padrões democráticos. Há maneiras diferentes de avaliar o rombo. Dentre elas estão gastos excessivos com estruturas públicas nas três instâncias da Federação; o adensamento das massas funcionais; a multiplicação de municípios; a sempiterna disposição de expandir o número de Estados (tramitam projetos para a criação de mais três entes federativos); os excessivos dispêndios com a burocracia inoperante; o superfaturamento de obras, ilícito banalizado que já se encaixou na rotina da administração; a ausência de planejamento com metas para os serviços públicos... Não é de admirar que esse conjunto mal-ajambrado se reflita no desenvolvimento do País, a partir da distorção na taxa de poupança nacional em relação ao PIB, que em 2009 foi de apenas 14,6%, baixa em comparação com outros países. Basta lembrar que a taxa de poupança da China é de 40% do PIB. Anote-se ainda que os chineses não são bom exemplo de democracia.
Há, porém, em nosso território um nicho que faz relação direta com o ideário democrático. Trata-se do sistema eleitoral. O escopo da democracia pode ser sintetizado pelo famoso dito de Lincoln: a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. O povo é, portanto, fonte primária do poder, de conformidade com o princípio da soberania popular, o qual está bem explícito no preâmbulo e artigo 1.º da Constituição de 1988. Para representar o povo políticos se engalfinham numa disputa que se torna a cada ciclo eleitoral mais acirrada e competitiva. Assim, a escolha da representação, que constituía dever de honra no berço da democracia, a velha Grécia dos grandes filósofos, transforma-se em negócio dos mais rentáveis. A bolsa da política impõe novos métodos de ação e incorpora práticas usadas no mercado de compra e troca de bens e mercadorias. Torna-se tão atraente que este ano juntará na arena eleitoral cerca de 20 mil candidatos para disputar o voto de 135 milhões de eleitores.
Por essa trilha podemos acompanhar a evolução contínua do custo da operação política essencial à oxigenação da democracia. Trata-se do custo do voto, que sobe às alturas. Vejamos.
Na campanha presidencial de 2002 o então candidato José Serra despendeu R$ 18.177.712 e Luiz Inácio gastou até mais, R$ 26.589.234. Este ano Serra gastará R$ 180 milhões, que significam um aumento de 890,22% em relação a 2002 e de 119,78% em relação ao gasto de R$ 81.900.000 feito por Geraldo Alckmin em 2006. Já a candidata Dilma Rousseff poderá gastar este ano R$ 157 milhões, representando um acréscimo de 490,46% em relação ao gasto por Lula na campanha de 2002 e de 50,52% em relação aos gastos da campanha de 2006, quando o PT gastou R$ 104.300.000. Trata-se de extraordinário aumento do custo do voto, principalmente quando se consideram as proibições feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral, como brindes, camisetas promocionais, outdoors e showmícios com artistas. Se a campanha deste ano é mais reduzida, abriu outras direções (e despesas), a partir da logística, cujo suporte nos deslocamentos é dado por modernas aeronaves.
A substancial expansão de custos tem que ver também com a profissionalização de estruturas, nas quais se abrigam institutos de pesquisas, agências de marketing, comitês e exércitos bem treinados nas técnicas de cooptação. A formatação global do pleito em São Paulo, que abriga mais de 30 milhões de eleitores, desce ao microcosmo e chega ao menor dos Estados, onde o custo do voto vai aos píncaros. O voto em Roraima, com cerca de 270 mil eleitores, chega a R$ 116,72. A equação leva em conta as densidades eleitorais: quanto maior o número de eleitores, mais barato o voto. Em São Paulo, maior colégio eleitoral, o custo por eleitor é de R$ 6,51, mas na campanha de 2002 era metade disso. O assombro é maior quando se pinçam exemplos de outros países. No final de 2005 Angela Merkel derrotou Gerhard Schroder, na Alemanha, tornando-se chanceler, em campanha em que gastou o equivalente a R$ 134 milhões. No mesmo ano, na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista e o Partido Conservador gastaram cerca de R$ 144 milhões, valores inferiores ao que se gasta por aqui.
O mineiro Milton Campos, democrata e liberal, pregava um "governo mais das leis que dos homens". Infelizmente, o que estamos a assistir no País é à instalação de um governo cada vez mais dos homens e menos das leis.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO
4 comentários:
Não se trata de discordar do emérito professor Gaudêncio, entretanto temos a acrescentar.
A evolução dos gastos de campanha apresentados pelo professor em comparação, faltou ponderar que a eficiência da Justiça Eleitoral e do Ministério Público na aferição dos gastos eleitorais faz com que na atualidade os gastos não declarados estejam proporcionalmente menores em relação aos gastos declarados, o que leva a números estratosféricos e irreais quando comparamos com campanhas anteriores.
Não que não tenham aumentado tais gastos, mas esse fato deve ser levado em consideração.
Fazer comparação entre países exige um tipo de competência que é uma especialidade em nível de mestrado. Comparar China com Brasil, esse uma República Federativa e aquele uma República Comunista, estados portanto com regras de salário, jornada de trabalho e de direitos sociais completamente diferentes, ao modo como foi feito, na tábua rasa, recomenda que devolvamos o professor aos bancos escolares, ou, se for o caso, ao hospício.
Além do mais, alguém que encerra um artigo elogiando Milton Campos como democrata e liberal em definitivo não merecer ser levado a sério. Para quem não lembra da "peça", foi quem redigiu a Constituição do Estado Novo. Não satisfeito em sua "inspiração democrática"foi um conspirador ativo no golpe que instaurou a ditadura militar em 64. Morreu em 1972 como senador do partido que dava sustentação a ditadura no Congresso Nacional, a extinta Arena.
Itajaí, confesso que também me causou espécie esse citação.
O que me chamou a atenção no artigo foram os dados sobre o custo das campanhas, algo que merece ser discutido principalmente quando se pensa em um reforma política.
Grande abraço.
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